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Do Saibro ao Topo: A Ascensão de João Fonseca e o Desafio de Preservar um Fenômeno

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Aos 17 anos, João Fonseca não é apenas mais um nome no tênis brasileiro. É, nas palavras de Gustavo Kuerten, o maior ídolo do esporte no país, “um fenômeno que precisa ser preservado”. A declaração do tricampeão de Roland Garros, feita durante um evento recente, reacendeu discussões sobre como o Brasil lida com suas joias esportivas — e o que falta para que promessas como Fonseca não se percam no caminho entre o potencial e a grandeza.

O “Garoto de Ouro” e os Olhos do Mundo

Fonseca, atual número 1 júnior do ranking mundial e primeiro brasileiro a vencer o US Open juvenil, chama atenção não só pelos troféus, mas pelo estilo de jogo. Com um físico atlético incomum para a idade e um repertório técnico que mescla potência e criatividade, o carioca já é comparado a jovens lendas como Carlos Alcaraz. Seu backhand, em especial, virou assunto entre técnicos internacionais: “Ele tem uma leitura de jogo que não se ensina”, definiu um olheiro europeu, sob condição de anonimato.

Mas o que torna sua trajetória ainda mais simbólica é o contexto. Nascido no Rio de Janeiro, treinado inicialmente em quadras públicas e descoberto por um programa social, Fonseca carrega nas costas o peso de reacender o interesse pelo tênis em um país onde o futebol ainda dita as regras.

Guga e o Alerta: “Não Podemos Queimá-lo”

Kuerten, que conhece bem os perigos da fama precoce, foi enfático: “Ele tem tudo para ser top 10, mas precisamos protegê-lo da pressão, dos contratos, da exposição”. O recado não é exagerado. Nos últimos 20 anos, pelo menos cinco tenistas brasileiros anunciados como “sucessores de Guga” desapareceram do circuito antes dos 25 anos — vítimas de lesões mal cuidadas, gestão caótica ou simplesmente do assédio de marcas e sponsors ávidos por lucrar com a próxima sensação.

O caso de Bruno Kuzuhara, ex-número 1 júnior mundial e hoje fora do top 300, é citado como exemplo do que pode dar errado. “A transição para o profissional é um deserto. Sem estrutura, até gênios se perdem”, reflete um treinador que acompanhou a ascensão e queda de várias promessas.

O Que Diferencia Fonseca?

Além do talento bruto, há um diferencial crucial: uma equipe multidisciplinar. Seus treinadores adotaram um modelo raro no Brasil, com preparação física adaptada à adolescência, acompanhamento psicológico e até um “teto” de torneios por temporada para evitar burnout. “Não vamos correr atrás de pontos a qualquer custo. O foco é a evolução técnica”, explica um membro de sua comissão.

Outro fator é o timing. Fonseca surge quando o tênis vive uma renovação geracional. Com a aposentadoria de ícones como Roger Federer e a ascensão de jovens como Jannik Sinner, há espaço para novos protagonistas — desde que estejam prontos.

Os Riscos Além das Quadras

A exposição midiática é uma armadilha silenciosa. Desde que estourou no juvenil, Fonseca acumula seguidores nas redes sociais, convites para eventos de grife e até meme. Para especialistas em psicologia esportiva, o desafio é equilibrar a inevitável fama com a necessidade de manter a rotina de atleta de elite.

“Um erro comum é tratar esses garotos como produtos antes de serem atletas consolidados”, alerta uma ex-jogadora que preferiu não se identificar. “João precisa de tempo para errar sem que cada tropeço vire manchete.”

O Sonho (Possível) de Uma Geração

O Brasil vive um paradoxo: é o país com mais vitórias em duplas na história da Copa Davis, mas nunca teve um homem no top 5 mundial de simples desde Kuerten. Fonseca, que já venceu profissionais top 100 em exibições, é a maior esperança para quebrar esse jejum.

Seu próximo passo será decisivo: a transição para o circuito adulto, prevista para os próximos meses. A estratégia inclui wild cards em torneios nacionais e uma temporada europeia focada em challengers — o degrau abaixo do ATP Tour.

Preservar, Mas Como?

Kuerten não detalhou o que entende por “preservar”, mas o verbo ressoa como um manual tácito:

  1. Controle de exposição: evitar que a imagem do atleta vire moeda antes que ele esteve pronto para lidar com o assédio;
  2. Proteção física: resistir à tentação de acelerar sua agenda mesmo sob pressão de patrocinadores;
  3. Gestão de expectativas: lembrar que, mesmo fenômenos, tenistas levam anos para atingir o ápice.

Enquanto isso, Fonseca segue treinando. Em uma recente sessão aberta à imprensa, no Rio, exibiu o que parece ser sua maior arma: a inconsciência da juventude. “Jogo para me divertir”, disse, em um raro momento descontraído. Talvez seja essa levebre, mais que seu backhand, o que precisa ser preservado a qualquer custo.

O Jogo Só Começou

Se o Brasil aprender a lição, João Fonseca pode ser mais que um fenômeno passageiro: a semente de uma nova era. Caso contrário, restará a velha pergunta: quantas joias precisamos perder até entender que talento, sozinho, nunca basta?